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Educação e Gênero em tempos de ‘Escola Sem Partido’

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“A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo.”

Foto: Helder Faria/ALMT

Nelson Mandela.

Em tempos recentes o movimento Escola sem Partido (ESP) tem-se empenhado numa discussão acerca de uma tal “ideologia de gênero” e da “doutrinação” em diversos espaços e principalmente nas escolas do País. Esse movimento acompanha uma onda mundial de retorno a fundamentalismos com forte influência religiosa conservadora, está presente em diversos grupos sociais e se fortalece politicamente na proposição de projetos de lei que pretendem enfrentar a “doutrinação ideológica” disseminada, segundo esse movimento, por professores e professoras e incluem nesse pacote as discussões sobre gênero, raça e sexualidade no espaço escolar.

Pensar no processo educativo nos leva a refletir sobre a sua missão fundamental: formar cidadãs e cidadãos capazes de apreender-compreender a realidade que os circunda, os desafios que essa realidade apresenta quando, pelo fato de ser menina ou menino, são impostas certas restrições que na maioria das situações são desfavoráveis para as meninas. Aqui surge a importância de discutir-se, no âmbito não só da escola o conceito Gênero e Relações de Gênero.

O conceito Gênero foi construído para identificar as relações sociais entre homens e mulheres, específicas de cada formação social e que sofrem alterações econômicas e culturais dentro de cada sociedade. Esse conceito pretende nos ajudar a compreender como surgem e se fortalecem, numa determinada sociedade, as desigualdades entre homens e mulheres, a violência das quais as mesmas são vítimas, a diferença salarial entre os gêneros, a violência que atenta cotidianamente contra a vida da população LGBT, a cultura machista, racista e homofóbica que se mantém latente, enraizada em nossa sociedade. Discutir Gênero em nossas escolas nos aproxima da discussão-reflexão desses problemas estruturais no País.

Nosso Brasil, segundo a Organização Mundial de Saúde – OMS, é o 5º em número de feminicídios, o ódio que mata mulheres pelo fato de serem mulheres. A Organização das Nações Unidas – ONU registrou que no ano de 2017 foram assassinadas 03 mulheres por dia no Brasil. Constatações terríveis que nos falam de uma violência contra meninas e mulheres que não encontra explicação senão numa cultura de violência que naturaliza o exercício da força, do abuso como via de regra para conter ou normatizar a vida do gênero feminino.

O trabalho doméstico e de cuidados continua recaindo majoritariamente sob a responsabilidade das mulheres. Pouco valorizado, consome mais de 18 horas semanais das atividades delas, enquanto que os homens empregam 10,5 horas – dado divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, 2018. Também informa esse levantamento que ao passar dos anos a ocupação com os afazeres domésticos aumenta para as mulheres e se mantém imutável para os homens.

No campo da Política, o processo eleitoral em 2018 continua evidenciando que este espaço é majoritariamente ocupado por homens. Foram eleitas para a Câmara dos Deputados(as), 77 mulheres (15%) e 436 homens (85%), houve um pequeno aumento de 10% (em 2014) para 15% na eleição de mulheres. No Senado foram eleitas 07 mulheres.

As informações acima nos ajudam a refletir sobre a necessidade de fazermos a discussão sobre Gênero e relações de gênero nas escolas e nos ajudam a visualizar como essas relações são construídas em nossa sociedade e como na maioria das vezes contribuem para estabelecer desigualdades, que afetam negativamente a vida de meninas e mulheres.

Nas discussões de elaboração e revisão dos Planos municipais, estaduais e nacional de Educação no ano de 2014, um dos temas que ganhou maior visibilidade foi o de “Ideologia de Gênero” que segundo o movimento Escola sem Partido pretenderia destruir as famílias e influenciar as crianças, confundindo-as e incentivando-as a trocar de sexo. Manifestações de intolerância e proselitismo religioso se estenderam pelo País que pretendiam impedir o debate público sobre possibilidades de superação das desigualdades de gênero, de orientação sexual e de raça, propagando desinformação e preconceitos que atentam contra o direito humano à educação. Esse movimento se mantém ativo, aliado também a grupos ultraliberais que atacam as políticas públicas e defendem a educação como mercadoria e não como direito; situação que nos alerta para a urgência de construirmos alternativas que possam enfrentar e superar estes retrocessos.

A proposta de lei do movimento Escola sem Partido que chegou à Câmara dos Deputados (as) determina que o professor não poderá realizar propaganda político-partidária em sala de aula nem incitar seus alunos a participar de atos públicos e mobilizações. As questões políticas, socioculturais e econômicas serão apresentadas aos estudantes de forma que possam ser analisadas junto a outras versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes sobre o determinado assunto. Proíbe o ensino de questões de gênero.

As pessoas críticas a essa proposta manifestam que ela tolhe a liberdade de ensino que é garantida aos professores pela Constituição Federal no seu artigo 206, quando faz referência à liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber. A Constituição prevê o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas nas salas de aulas. A Escola sem partido é na verdade uma forma de impor o conservadorismo ao Ensino no Brasil.

Em defesa da família tradicional se nega a possibilidade de trabalhar questões de gênero, educação sexual, orientação sexual, entre outros assuntos porque consideram que há uma manipulação que ameaça e confunde as crianças. Segundo esse movimento é direito da família abordar essas questões, a educação escolar não pode usurpar esse papel dos pais. O que está em questão: silenciamento das discussões e reflexões no âmbito da escola que possam contribuir para uma reflexão de estudantes sobre os fundamentos das desigualdades de gênero, orientação sexual, raça, dentre outros. É amordaçar o pensamento crítico e negar o direito a conviver com diversos enfoques ideológicos-teóricos, de compreender as muitas possibilidades de configuração familiar e a construção de relações mais igualitárias entre homens e mulheres.

Negar a possibilidade de abordar as relações de gênero nas escolas é uma forma de desconhecer as diferenças que geram desigualdades, que perpetuam discriminações e sofrimento para as mulheres e os homens. A história precisa ser contada desde a ótica dos homens e das mulheres e que se reconheçam e respeitem as suas diferenças.

É aqui onde a escola assume maior relevância porque ela deve promover uma educação para a igualdade de gênero, o que significa superar as limitações de uma educação estreita e oferecer oportunidades diversas para meninos e meninas. Essa educação se afasta das consignas “meninas vestem rosa e meninos vestem azul”, se distancia do “meninas podem isso e meninos aquilo”, rompe com a naturalização da violência, fortalece relações de respeito às diferenças, às diversidades e à democracia. A educação continua sendo uma arma poderosa porque ela transforma mentes e corações, transforma as pessoas que nos mais diversos espaços de atuação poderão traçar novas perspectivas e relações que possibilitem uma coexistência mais solidária entre homens e mulheres.

Professora Rosa Neide

Deputada Federal (PT-MT)

 

 

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