Violência contra meninas e mulheres: por que a nossa dor, exploração e morte não estarrece a sociedade?
Assistimos com preocupação crescente aos inúmeros retrocessos impostos às mulheres pelos diversos governos, a violência do Estado, o controle sobre nossos corpos, o descaso com as nossas iniciativas, o menosprezo pelo que simbolize o feminino, a lgbtfobia, o racismo, a perseguição aos Povos Originários e comunidades Quilombolas, um retorno a tempos sombrios e de palpável aprofundamento do patriarcado capitalista. No Brasil a fragilização de uma série de políticas sociais que contribuíam para a melhoria das condições de vida das mulheres, como o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida, a reforma da previdência e trabalhista trazem componentes maiores de desigualdade e sofrimento para as mulheres; os Programas e projetos de enfrentamento à violência contra as mulheres, dentre outros, sofrem ataques violentos do Governo de turno, são asfixiados com o corte de orçamentos, desmontes sistemáticos, com graves consequências para a vida das mulheres.
Porém, dentre as violências que afetam a vida das mulheres é, sem dúvida, a violência doméstica e familiar a que tem se agravado e alcançado índices alarmantes, falasse numa pandemia que não consegue comover e comprometer, sociedades e governos, para processos efetivos de confronto e superação desta tragédia, que tem trazido dor e sofrimento para tantas mulheres, suas famílias e comunidades.
O nosso País é um dos mais violentos com as mulheres, ocupa a 5ª colocação no ranking mundial de feminicídios – em um grupo de 83 países, segundo o Mapa da Violência 2015, organizado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso). Na ordem, El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia são os quatro países mais perigosos para meninas e mulheres. Em 2019 foram 1.314 mulheres vítimas de feminicídio no Brasil, foram mortas pelo fato de serem mulheres, uma a cada 7 horas, em média.
Os dados sobre estupro são estarrecedores. Segundo o Anuário de Segurança Pública 2019, sistematizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, referem que quatro meninas, com menos de 13 anos são estupradas a cada hora. São vítimas principalmente de pessoas do seu convívio – pais, padrastos, tios, vizinhos ou primos, geralmente agredidas em suas casas. Essas meninas violentadas representam 54% dos mais de 66.000 estupros registrados.
Segundo o Anuário, 1.206 mulheres assassinadas principalmente por seus companheiros ou ex-companheiros (89%); a cada dois minutos é feita uma denúncia por violência doméstica. As mulheres vítimas de feminicídio no País são em sua maioria negras, elas são 61% do total de assassinatos deste tipo; 38,5% são brancas; 0,3% indígenas e 0,2% amarelas.
Quando nos aproximamos da realidade de Mato Grosso, tristemente constatamos que é um dos estados com maior taxa de feminicídios no Brasil. Em 2019 foram assassinadas um total de 87 mulheres. Foram 39 vítimas de feminicídio, conforme dados da Coordenadoria de Estatística e Análise Criminal (CEAC) da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp-MT); uma taxa de 2,3 para cada 100 mil, atrás apenas dos estados do Acre, Alagoas e Amapá (2,5), em seguida estão Mato Grosso do Sul e o Distrito Federal que empatam com uma média de 2,1. Esse levantamento foi realizado pelo Monitor de Violência, uma sistematização realizada pelo G1 (empresa Globo), o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo-USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O Mapa da Violência contra a Mulher (2018), da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados e Deputadas, registrou 3.448 mil casos de estupro de meninas e mulheres. Estes dados colocam nosso Estado no terrível 2º lugar em número de crimes dessa natureza.
Em 2019, as mulheres assassinadas estavam na mais diversas faixas etárias: 21 estavam entre 36 – 45 anos; 15 entre 18 – 24 anos; 11 entre 25 – 29 anos; 11 entre 30-35 anos; 09 mulheres entre 46 a 59 anos, 09 meninas assassinadas tinham entre 12-17 anos; 06 mulheres tinham acima de 60 anos; 03 estavam na faixa etária entre 0 – 11 anos; 02 não tiveram a idade informada.
Os assassinatos de mulheres são na sua maioria causados por armas de fogo (37%), armas cortantes ou perfurantes (25%), arma contundente (8%), uso da força muscular (10%), entre outras formas. A principal motivação para esses crimes de ódio seria de natureza “passional” – 38%. Causa a apurar correspondem à 31%. Poderiam ser feminicídios?
Há uma longa jornada para a superação da violência doméstica e familiar que precisa de todos e todas. Primeiramente se faz necessário manter a nossa capacidade de indignação diante desta barbárie; não é possível manter uma postura morna frente a esta situação que acaba com a vida e sonhos de tantas meninas e mulheres, de tantas famílias! O enfrentamento à desigualdade entre os gêneros, construída histórica e sistematicamente pela ordem dominante, perpassa, necessariamente, pela mudança cultural e educacional da sociedade, pela discussão e compreensão de que as diferenças entre homens e mulheres não podem determinar papeis sociais, nem justificar violências, desigualdades e/ou discriminações.
A superação da violência de gênero precisa do compromisso do Estado na formulação e efetivação de políticas públicas para as mulheres que garantam a sua organização e emancipação em todos os aspectos, que propiciem uma vida digna para elas e suas famílias: acesso à educação, saúde, previdência social e possibilidades de geração de renda e emprego. Demanda também um arcabouço legislativo que possibilite a construção da igualdade entre homens e mulheres, sem discriminação de qualquer tipo. Nessa perspectiva, no compromisso de legislar para o povo, se vão organizando uma série de propostas legislativas que visam a superação desses gargalos sociais e culturais.
Mas tudo isto só é possível tendo a presença do Estado que não pode ser mínimo, dentro do processo Democrático; de um Legislativo e Judiciário que se coloquem efetivamente a serviço da sociedade e, principalmente, do mais profundo respeito às liberdades constitucionais e ao direito de organização da classe trabalhadora, respeito e fortalecimento do direito das mulheres a construir uma vida sem violência.
Finalmente para acalentar nossa resistência trago aqui algumas frases do Manifesto do 8 de Março do presente ano, da Frente de Mulheres na Luta de Mato Grosso que mobilizam, desde, 2017 as ações do mês de março e da qual nosso mandato participa. Frases que carregam nossos anseios por vida digna e sem violência:
“Nas pequenas vilas, distritos, municípios e grandes metrópoles; nas casas, nas fábricas, locais de estudo, nas vielas e ruas, onde houver uma mulher, haverá, como sempre, luta, resistência e reivindicação! (…)
Nossa saída é nossa organização e nossa luta… Não podemos mais esperar! Contra a Violência mantida pelo estado patriarcal! Por Direitos! Por uma vida digna! Pela vida de todas nós!”
Professora Rosa Neide é deputada federal (PT-MT)
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